A lista de Darwin dos prós e contras de se casar (e as vantagens que ele e outros gênios não reconheceram)
29/06/2025
(Foto: Reprodução) Por trás da história dos gênios se esconde uma segunda história: a das mulheres que lhes deram o tempo necessário para florescer Emma (1808 –1896) e Charles Darwin (1809-1882) foram casados por 43 anos e tiveram 10 filhos.
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Charles Darwin começou a formular suas ideias sobre a seleção natural em 1838, analisando as observações que fez especialmente na América do Sul durante sua viagem ao redor do mundo a bordo do navio de pesquisa científica HMS Beagle.
Naquela época, ele também se tornou o secretário da Sociedade Geológica de Londres —um cargo que trazia responsabilidades importantes — e apresentou vários estudos relevantes, enquanto avançava em outras investigações.
Em meio a toda essa atividade, naquele ano, uma questão mais pessoal ocupava seus pensamentos.
Quão vantajoso era ter uma companheira pra a vida? Qual seria o possível impacto do matrimônio em sua vida e sua obra?
Em abril, rabiscou algumas anotações a lápis nas quais mencionava os benefícios de viver sozinho e as limitações que isso implicaria.
Em julho, voltou ao assunto, mas dessa vez de uma forma mais metódica — como se espera de uma das mentes científicas mais organizadas do século XIX.
O naturalista de 29 anos fez, então, duas listas para resolver essa importante questão.
Emma se ocupou de todas as tarefas domésticas e sociais para que Darwin trabalhasse tranquilo, além de traduzir documentos para ele
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Os prós de se casar — segundo a lista de Darwin
Com o título "Se casar", anotou as seguintes vantagens com uma honestidade brutal:
Filhos (se Deus quiser);
Companheira constante (e amiga na velhice) que se interessará por você;
Alguém para amar e com quem brincar (melhor do que um cachorro, de qualquer forma);
Um lar e alguém que cuide da casa;
Os encantos da música e da conversa feminina.
E logo refletiu: "Essas coisas são boas para a saúde, mas uma terrível perda de tempo."
"Meu Deus, é intolerável pensar em passar a vida inteira como uma abelha castrada, trabalhando, trabalhando, e, no fim das contas, nada", escreveu. "Não, não farei isso."
Então, comparou dois cenários: "Imagine viver o dia todo sozinho em uma casa suja em Londres. Imagine uma esposa amável e gentil em um sofá, com uma boa lareira, livros e música, talvez."
A lista de contras
Passou então para a lista de "Não se casar" e, de novo, apostou na franqueza:
Liberdade para ir aonde quiser;
Escolher se quer socializar e poder fazer isso pouco;
Conversas com homens inteligentes em clubes;
Não ser obrigado a visitar familiares e nem se curvar a cada bobagem;
Evitar os gastos e a ansiedade com filhos (talvez brigas);
Perda de tempo;
Não poder ler à noite;
Engordar e ficar ocioso;
Ansiedade e responsabilidade;
Menos dinheiro para livros, etc;
Se tiver muitos filhos, será obrigado a trabalhar para sustentar a casa (e trabalhar demais faz mal para a saúde);
Talvez minha esposa não goste de Londres, então, a sentença é o exílio e a degradação de ser um tolo indolente e preguiçoso.
Apesar da lista de contras ser maior, aparentemente a de prós teve mais peso, já que Darwin concluiu:
"Case-se Q.E.D" (abreviação de Quod erat demonstrandum, uma expressão latina que significa "como ficou demonstrado").
Charles Darwin no jardim de Down House, onde passava boa parte do tempo passeando e refletindo.
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Mesmo após chegar a uma conclusão, Darwin continuou fazendo perguntas.
"Sendo demonstrado que é necessário casar, quando? Logo ou mais tarde?"
Tinham lhe aconselhado a se casar logo, pois, entre os mais jovens, "o caráter é mais flexível, os sentimentos mais vivos e, se a pessoa não se casa logo, perde-se muita felicidade pura."
Mas a ideia o apavorara.
Ele acreditava que teria "problemas e gastos sem fim", brigas por ser forçado a uma vida social frívola e uma "perda de tempo diária".
E não só o tempo, mas também oportunidades.
"Nunca aprenderia francês, nem veria o continente, nem iria à América, nem voaria de balão, nem faria uma viagem sozinho para o País de Gales, pobre escravo", escreveu.
Quando parecia que estava voltando atrás, mudou o tom.
"Anima-te. Não se pode viver essa vida solitária, com uma velhice entorpecida, sem amigos, com frio e sem filhos."
E acrescentou: "Não se preocupe, confie no acaso. Há muitos escravos felizes."
Para os gênios, ter um cônjuge era algo de valor inestimável.
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No dia 11 de novembro, escreveu em seu diário. "O dia dos dias!". Estava celebrando o fato de que sua prima Emma Wedgwood havia aceitado seu pedido de casamento. Embora o sim de Emma fosse motivo de alegria, não foi uma surpresa.
As famílias Darwin e Wedgwood estavam ligadas por várias gerações de casamentos. Emma era a escolha lógica para Charles e, ambas as partes, e suas famílias, concordavam que seria a parceira perfeita.
Contudo, o pedido pegou Emma de surpresa, pois, embora ela "soubesse o quanto Charles gostava dela", pensava que ele a via apenas como mais uma prima.
Mas se Emma tivesse considerado essa possibilidade e feito suas próprias listas sobre as vantagens de se casar ou não com Charles Darwin, as dela teriam sido bem diferentes, como aponta Helen Lewis na série Grandes Esposas, da BBC.
Solteira, ela não teria nenhum dos confortos ao alcance de seu primo. Nada de voos em balão nem viagens sozinhas para o País de Gales.
Para uma mulher daquela época, ao menos no papel, ter um marido era definitivamente melhor do que ter um cachorro.
Dadas as circunstâncias, ser a grande esposa de um grande homem era uma escolha racional.
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43 anos de casados e 10 filhos
Seis meses depois, Emma e Charles Darwin se casaram.
Construíram laços afetivos profundos, tiveram dez filhos, uma vida familiar calorosa e permaneceram juntos até a morte de Darwin, em 1882.
Durante esses 43 anos, Emma não apenas copiava e passava a limpo os escritos de seu marido, mas também usava sua habilidade com idiomas para traduzir e informá-lo sobre os avanços científicos.
Além disso, evitou que ele desmoronasse sob o peso da saúde extremamente frágil e da angústia mental de ver seus filhos sofrerem — um atrás do outro, com uma certa regularidade — doenças hereditárias e contagiosas.
Emma criou o mundo que tornou possível a obra de Darwin, ocupando-se de tantos detalhes que a lista de vantagens de tê-la seria interminável.
Assim, a rotina do naturalista fluía sem contratempos, como descreveu um de sus filhos:
"Às 7h da manhã, tomava café sozinho, às 7h45, trabalhava até o meio-dia, e logo depois de uma caminha rápida pelo jardim, almoçava com a família."
Terminados seus trabalhos intelectuais do dia, pedia à Emma que lesse um romance ou outra obra literária, depois fazia outro passeio, cuidava de alguns afazeres e, das 18h às 19h30, Emma voltava a ler para ele antes do jantar.
Tudo o que ele queria era providenciado ao seu gosto.
Uma verdadeira história de amor
Ter um grande cônjuge significava liberdade para continuar o trabalho sem se distrair com as intermináveis tarefas que fazem parte da vida.
E poucas pessoas tiveram condições tão perfeitas para o trabalho intelectual quantos os autores, cientistas e artistas do século XIX e início do século XX.
Eles podiam se dedicar sem interrupções, exceto pela chegada de xícaras de café ou chá, ou pela aparição quase mágica das refeições na mesa.
Uma grande esposa podia fazer muito, algo que foi particularmente verdadeiro no caso de Véra Nabókova.
Véra se sentava ao lado do palco quando seu marido, o escritor Vladimir Nabokov dava palestras. Ela fazia isso para lhe oferecer apoio moral.
Ela também foi sua agente, tradutora, datilógrafa, arquivista, figurinista, tradutora, administradora financeira, motorista e a primeira leitora de todos os seus romances.
Chegou até a dar aulas na universidade quando ele não podia comparecer.
Tudo isso enquanto realizava todas as tarefas esperadas de uma esposa daquela época: ser cozinheira, babá, lavadeira e empregada doméstica, ainda que ela própria se considerasse uma "péssima dona de casa".
E, claro, o acompanhava em suas viagens em busca de borboletas, animais que o fascinavam desde os cinco anos de idade, e que ele colecionava, admirava e estudava com paixão.
Um artigo do jornal The Atlantic concluiu que os escritores mais sortudos eram aqueles casados com "uma Véra", que sos liberta das tarefas mundanas da vida.
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Quando Nabokov se tornou conhecido pela publicação de Lolita, um romance sobre um homem que deseja uma menina de 12 anos, contam que Vera carregava uma pistola na bolsa, pronta para enfrentar qualquer possível assassinato.
Eles viveram um grande amor. Se conheceram em um baile em Berlim, em 1932. Véra usava uma máscara de cetim preto e recitou para Vladimir algumas de suas poesias.
Mais tarde, ele escreveu: "É como se em sua alma houvesse um lugar preparado para cada um dos meus pensamentos."
Encantado pelo feroz intelecto de Véra, sua independência, seu senso de humor e seu amor pela literatura, ele escreveu seu primeiro poema para ela depois de ter passado apenas algumas horas em sua companhia.
Ficaram casados por 52 anos, durante os quais ela recebeu algumas das que são consideradas as melhores cartas de amor da história, reunidas no livro Cartas a Véra.
"Sim, eu preciso de você, meu conto de fadas. Porque você é a única pessoa com quem eu posso falar sobre a sombra de uma novem, sobre a canção de um pensamento, e de como, hoje, quando sai para trabalhar e vi um girassol enorme no rosto, ele sorriu com todas as suas sementes", escreveu Vladimir em um dos poemas.
Contudo, nem todas as esposas de gênios tiveram a mesma sorte.
A guerra sem paz dos Tolstói
Em 1889, o autor russo León Tolstói publicou um romance chamado A sonata a Kreutzer, um veículo pouco disfarçado para a filosofia moral que ele havia desenvolvido durante a década anterior.
Naquela altura, ele já havia criado sua própria versão do cristianismo, renunciado ao seu título de nobreza e criticado suas obras anteriores.
Chamou Anna Karenina de uma abominação e passou se vestir como um camponês.
Em A sonata a Kreutzer, o narrador compartilha uma viagem de trem com um homem que zomba da ideia de se casar por amor, dizendo que se arrepende de todas suas relações amorosas com mulheres.
O problema com as mulheres, dizia, é que enfeitiçam os homens com suas roupas e seus corpos.
Elas "mantêm como escravos, submetidos a um trabalho duro. E tudo isso porque foram humilhadas, privadas de direitos iguais aos nossos. Então, se vingam explorando nossa sensualidade e nos prendendo em suas redes", dizia.
O personagem principal de Tolstói estava consumido pelo ciúme, pois suspeitava que sua esposa estava apaixonada por um violinista bonito.
O romance pode ser lido como uma crítica passivo-agressiva à esposa de Tolstói, Sofía, que mantinha uma relação intensa com o professor de música da família.
Tolstói podia ter certeza de que Sofía receberia a mensagem, pois era ela quem copiava à mão seus manuscritos.
Os aprendizes de Tolstói pintavam Sofía como uma mulher pouco inteligente, preocupada apenas com coisas materiais.
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Os Tolstói tiveram uma relação complicada.
A vida de Sofía era dominada pela carreira do marido, das responsabilidades domésticas e da administração dos bens e assuntos que lhe cabiam como conde.
E ela sempre apoiou as ambições literárias do marido.
Ele pedia seus comentários e a consultava sobre os detalhes. Ela, inclusive, foi gestora do imenso projeto de publicação das obras completas dele, lidando também com assuntos legais e administrativos que isso envolvia.
Chegou a copiar um dos seus manuscritos sete vezes à mão e mandou fazer uma mesa especial para poder continuar trabalhando quando estaca confinada à cama depois dos seus 13 partos.
Tratam-se de obras como A guerra e a paz, que tem cerca de 60 mil palavras. Na verdade, Tolstói escreveu quatro grandes romances, aproximadamente uma dúzia de romances curtos e ao menos 26 contos, entre outros textos.
Quando A sonata a Kreutzer foi publicada, a relação com o marido era tensa, em parte porque o autor passava cada vez mais tempo com o jovem aristocrata Vladímir Chertkov.
Ele encheu Tolstói de ideias contra sua esposa e incentivou seu interesse pelo anarquismo.
'Servir a um gênio é uma grande desgraça'
Quando Tolstói renunciou a todos os seus bens materiais por considerá-los corruptos, coube a Sofía garantir que seus filhos não morressem de fome.
Ela assumiu a publicação dos romances e chegou a suplicar ao czar e à Igreja Ortodoxa que parassem de censurar seus livros.
Chertkov disse a Tolstói que essas preocupações comerciais demonstravam que Sofía era uma burguesa traiçoeira.
Em 28 de outubro de 1910, Tolstói saiu de casa, deixando um bilhete frio explicando que, finalmente, estava colocando em prática seus compromissos filosóficos.
Eles ficaram casados por 48 anos.
Sofía demorou mais de uma semana para localizar o marido em uma estação de trem, onde o escritor, já com 82 anos, estava morrendo, cercado de fãs e seguidores. Sua morte se tornou um acontecimento midiático.
Mas, até os últimos momentos, Sofía foi mantida longe do leito de morte Tolstói.
Alguns anos antes, Sofía escreveu: "Servi a um gênio durante quase 40 anos, centenas de vezes. Senti minha energia intelectual se agitar dentro de mim e todo o tipo de desejo, mas reprimi e sufoquei todos esses anseios", declarou.
"Todo mundo pergunta: 'Mas por que uma mulher inútil como você precisaria de uma vida intelectual ou artística?' A essa pergunta, só posso responder: 'Não sei, mas suprimir isso eternamente para servir a um gênio é uma grande desgraça'."
*Grande parte desse artigo foi adaptado do episódio "Thanks for Typing" da série "Helen Lewis: Great Wives" da BBC. Para escutar em inglês, clique aqui.