Bolsonaro no STF: os pontos fortes e fracos do depoimento – e o que dividiu a opinião de criminalistas

  • 15/06/2025
(Foto: Reprodução)
Ex-presidente foi questionado na Primeira Turma sobre trama golpista e falas com ataques a autoridades e às eleições. Advogados consultados pelo g1 veem pontos que reforçam e que enfraquecem a defesa do político. Bolsonaro ouve questionamentos de Moraes Fellipe Sampaio/STF O depoimento que o ex-presidente Jair Bolsonaro prestou ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira (10) teve pontos que podem ser positivos e negativos para sua própria defesa – segundo a avaliação de advogados criminalistas ouvidos pelo g1. Bolsonaro é réu no STF sob acusação de ter liderado uma organização criminosa que tentou romper a ordem democrática após a derrota nas eleições de 2022. O g1 ouviu os advogados criminalistas Pierpaolo Bottini e Juliana Tempestini – que não atuam na defesa de Bolsonaro ou dos outros réus desse inquérito. Ambos apontaram, como "pontos favoráveis à defesa", o fato de Bolsonaro ter negado a intenção de dar um golpe de Estado e o tom moderado que o ex-presidente adotou, em contraposição a seus habituais arroubos. Um ponto visto como negativo foi a contradição entre as falas de Bolsonaro e de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, sobre alterações na minuta de um decreto golpista que previa a prisão do ministro Alexandre de Moraes e a decretação de estado de exceção. Bottini e Juliana não concordaram em todos os pontos da análise. Eles têm pontos de vistas distintos, por exemplo, sobre Bolsonaro ter confirmado participação em reuniões com comandantes das Forças Armadas, já depois das eleições de 2022, para discutir "hipóteses constitucionais" – o que ficou conhecido, na verdade, como "minuta golpista". Bolsonaro admite ter buscado alternativas ao resultado eleitoral Reuniões com militares Bolsonaro disse no depoimento a Moraes, relator da ação penal, que fez reuniões com a cúpula militar no final de 2022 depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou um pedido de seu partido, o PL, para anular votos do segundo turno da eleição presidencial. Na ocasião, o TSE aplicou uma multa ao PL no valor de R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé, já que o partido não apresentou nenhuma prova confiável de problemas nas urnas eletrônicas. "Essas reuniões [com militares] que ocorreram foram em grande parte em função da decisão do TSE. Quando nós peticiamos ao TSE sobre possíveis vulnerabilidades [das urnas], no dia seguinte não foi acolhido, não se discute nada mais além disso, e nos surpreendeu uma multa de R$ 22 milhões. Essa multa nos abalou e, no nosso entendimento, se viéssemos a recorrer, a multa poderia ser agravada e outras coisas mais poderiam acontecer. Então, nós decidimos, pelo TSE, encerrar qualquer discussão sobre o resultado das eleições", relatou Bolsonaro. "Conforme falou o general Freire Gomes [comandante do Exército à época], talvez tenha sido nessa reunião [de 7/12/2022], nós estudamos possibilidades outras dentro da Constituição, ou seja, jamais saindo das quatro linhas [...] Em poucas reuniões abandonamos qualquer possibilidade de uma ação constitucional. Abandonamos e enfrentamos aí o ocaso do nosso governo", completou o ex-presidente. Bolsonaro admite ter discutido com comandantes militares possibilidades na Constituição para contestar eleição A Constituição prevê a decretação de estado de sítio ou de defesa em situações extremamente excepcionais, como momentos de grande caos social. O inconformismo com o resultado da eleição não é uma das hipóteses previstas na Constituição. O criminalista Pierpaolo Bottini afirma que, em seu entendimento, não ficou claro que Bolsonaro discutiu a possibilidade de decretar estado de sítio ou estado de defesa para contestar o resultado eleitoral. No entanto, se isso se confirmar, é um ponto negativo para a defesa. "O teor do depoimento não é muito claro nesse aspecto. Tudo vai depender da interpretação que será dada pelos ministros do Supremo à luz das demais provas dos autos. Se entenderem que a discussão sobre as medidas constitucionais teve como causa a negativa do TSE de acolher a impugnação às urnas, há um forte indício de que a intenção dos envolvidos era de buscar meios de romper com a ordem democrática", diz Bottini. Diferentemente dele, a criminalista Juliana Tempestini entende que o ex-presidente admitiu ter discutido com os comandantes militares medidas para contestar o resultado da eleição. Para ela, entretanto, a discussão dessas medidas não demonstra a intenção de dar um golpe. "Ele admitiu que eles fizeram essas reuniões e que uma das pautas era procurar alternativas constitucionais para, talvez, frear aquela evolução das eleições. Na minha visão, ele tentou conversar com assessores, com os ministros, para agir 'dentro das quatro linhas da Constituição', talvez trazendo um estado de sítio ou um estado de defesa, o que era uma discussão jurídica. Depois eles entenderam não ser cabível essa opção", diz Juliana. "Como eu sou criminalista, sou legalista. Depende muito da interpretação. Na minha opinião, se um instrumento jurídico é previsto pela Constituição e se ele foi utilizado no passado de forma muito ruim, isso não significa que a norma seja ilegal ou que qualquer conversa sobre isso, uma consulta jurídica, significa uma tentativa de golpe", avalia. Intenção de cometer crime Na visão de Juliana, "um ponto favorável à defesa é que Bolsonaro mostrou uma negativa consistente da intenção, ou seja, uma ausência de intenção golpista". "Ele disse que jamais desejou ou planejou um golpe de Estado. Nesses crimes que foram imputados a ele, a intenção é extremamente necessária, porque são crimes de dolo específico, ou seja, que o réu queria aquela finalidade. Mesmo que a tentativa de golpe já seja punível — isto é, não necessita a execução [do golpe] —, é necessário o dolo específico", afirma. Bottini também destaca que Bolsonaro enfatizou que nunca teve a intenção de romper com a democracia. "Ele disse que criticava as urnas, que fez aquelas reuniões [com militares] — que ele não desmente, até porque não dá para desmentir, porque estão provadas —, mas disse que nunca teve a intenção de romper com a ordem democrática e que, se alguém fez isso, ele não aderiu. Então, basicamente, foi essa linha que ele seguiu no interrogatório e acho que é a linha que ele poderia seguir. Foi um depoimento dentro do esperado", analisa o advogado. Bolsonaro: 'Tivemos que entubar o resultado das eleições' O peso de cada depoimento Bottini explica que o interrogatório é "um ato de defesa, a primeira e única oportunidade que o réu tem de olhar no olho do juiz e contar pessoalmente sua versão dos fatos". "O interrogatório do réu é um ato que compete apenas a ele. É por isso que o ministro não ficou rebatendo o que ele falava", acrescenta Juliana. De acordo com Bottini, no Brasil existe uma particularidade, que é o direito à não autoincriminação. Um acusado tem o direito de não produzir provas contra si mesmo, o que lhe permite, inclusive, mentir. "Por conta disso, o réu não presta juramento, não responde por falso testemunho. Significa que ele pode ficar em silêncio ou pode não dizer a verdade. Isso faz com que esse ato seja importante no processo, mas, justamente por não ter essa obrigação, ele tenha um valor um pouco menor, por exemplo, do que o depoimento de uma testemunha", diz Bottini. Assim, na hora de analisar os elementos de um processo, os juízes tendem a dar mais peso ao depoimento de uma testemunha, que falou sob juramento de dizer a verdade, do que à versão de um réu. No caso concreto, por exemplo, os depoimentos dos ex-comandantes da Aeronáutica e do Exército, que relataram que as medidas discutidas nas reuniões resultariam no impedimento da posse de Lula em janeiro de 2023, poderão ter um peso maior do que as declarações de Bolsonaro. Quais são os próximos passos do julgamento do golpe Contradição sobre a minuta do golpe Os depoimentos de Bolsonaro e de Mauro Cid, que fechou acordo de delação premiada em troca de ter uma pena mais branda, tiveram uma contradição sobre alterações na minuta do de um documento que previa anular o resultado da eleição. Cid afirmou ao STF que Bolsonaro "enxugou" a minuta, retirando a previsão de prender membros do Congresso Nacional e deixando apenas a ordem de prender Moraes. Bolsonaro, por sua vez, negou o enxugamento. Afirmou ainda que a investigação da Polícia Federal só encontrou a parte inicial da minuta — os "considerandos", que listavam supostas interferências ilegais do Judiciário em seu governo — e que nunca assinou o documento. No curso da investigação, a PF também apreendeu uma mensagem de áudio que Cid enviou a Freire Gomes, então comandante do Exército, em 9 de dezembro de 2022, dois dias após a reunião realizada no Palácio da Alvorada. Nesse áudio, Cid disse, segundo a transcrição feita pela PF: "Bom dia general! Sei que o momento não é apropriado, mas só para atualizar o senhor... O presidente vem sendo pressionado, aí, por vários atores a tomar uma medida, mais, mais radical, né? Mas ele ainda tá naquela linha do que foi discutido, que foi conversado com os Comandantes, né, com o ministro da Defesa. Ele entende as consequências do que pode acontecer. Hoje ele mexeu naquele decreto, né. Ele reduziu bastante. Fez algo mais direto e curto, e limitado, né". Acerca da contradição entre os depoimentos, Bottini explica que, como Cid é delator, "o valor probatório do depoimento dele é nenhum". "O colaborador premiado é um meio de obtenção de prova, ele não é prova. Então, o que o Cid fala não tem valor. Já o que o réu fala tem valor. Mas é um valor que tem que ser pesado devido à não obrigação de dizer a verdade. Um documento, uma mensagem no celular, ao tempo dos fatos, tem um peso maior [que o depoimento do réu]", afirma o criminalista. "Claro que toda prova precisa ser interpretada. Cid diz [no áudio de 2022] que o Bolsonaro estaria analisando um documento. Ele não fala do conteúdo daquele documento", pondera Bottini. "Mas é uma prova relevante, sem dúvida." Juliana aponta que, "se realmente tiver esses elementos materiais, não só a palavra [do delator], mas um e-mail, arquivo, mensagem, que fragilize a versão de Bolsonaro, então essa contradição pode ser um ponto desfavorável à narrativa que ele apresentou no interrogatório". Bolsonaro contradiz Cid e nega ter alterado minuta golpista Moderação do discurso A postura do ex-presidente durante o interrogatório foi considerada positiva para sua defesa, na análise dos dois criminalistas. "Ele não confrontou o tribunal, não transformou o depoimento num palanque. E eu acho que foi importante para ele. Porque ele depende do tribunal não só para decidir o mérito do caso, mas, caso ele seja condenado, para decidir o regime de pena, para decidir sobre um eventual pedido de prisão domiciliar", diz Bottini. Para Juliana, mais do que uma moderação no tom, Bolsonaro demonstrou arrependimento em alguns trechos de sua fala, o que pode contar a seu favor no julgamento. "O que eu acho é que ele demonstrou ali um arrependimento da forma como ele se comportava perante os ministros. Ele confessou que não possuía prova de fraude das urnas eletrônicas, por exemplo. Isso pode ser até uma estratégia de moderação política. Nesse interrogatório ele se mostrou muito mais humilde e arrependido de muitas coisas que falou", avalia. 'Gostaria de convidá-lo a ser meu vice em 2026', diz Bolsonaro a Moraes, que declina Passados os interrogatórios dos réus, a ação penal entra na fase em que tanto defesa quanto acusação podem pedir ao ministro relator diligências complementares. "Se eventualmente alguma pessoa foi citada, algum fato novo apareceu durante o processo, podem pedir uma diligência para juntar um documento ou para ouvir uma pessoa a mais. Terminada essa fase, abre para a acusação, o delator e as defesas apresentarem alegações finais. Depois, é marcada a sessão de julgamento", explica Bottini. Devido à celeridade do processo, a expectativa é que o julgamento final – que vai dizer se Bolsonaro e os outros sete réus são culpados ou inocentes – aconteça ainda neste ano.

FONTE: https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/06/15/bolsonaro-no-stf-os-pontos-fortes-e-fracos-do-depoimento-e-o-que-dividiu-a-opiniao-de-criminalistas.ghtml


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